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Entrevista de Borja Sainz à revista Dragões

Uma vida com a bola por companhia: do berço à cabeceira, da Turquia ao Championship, até vestir as cores do “maior clube de Portugal”. A carreira de Borja Sainz já lhe permitiu viver momentos entusiasmantes em estádios icónicos, mas os primeiros meses no Olival trouxeram algo difícil de superar: “Uma família que está lá quando alguém precisa, esteja bem ou mal”. Com a confiança de quem se sente “em casa” num “clube especial”, o extremo centra todas as atenções no “trabalho diário” que faz sob o comando de um treinador “exigente que transmite as ideias de forma muito clara”. Tudo com dois objetivos: “Retribuir o carinho dos adeptos com vitórias e títulos” e honrar Jorge Costa, “um portista muito acarinhado” que “amava o clube” e “entra em campo” onde o FC Porto jogar.

O futebol sempre esteve presente na sua vida. Nascido numa família de futebolistas, começou a jogar logo aos quatro anos. Como foi esse primeiro contacto com esta sua paixão?
Sempre gostei de jogar e o meu pai era futebolista, como disseste, então o futebol é algo que tenho dentro de mim. Assim que nasci, colocaram-me uma bola ao lado da cama. Sou muito feliz por poder praticar esta modalidade que tanto me entusiasma e apaixona. Quando era pequeno, andava sempre de um lado para o outro atrás da bola. A minha mãe diz que eu arranjava sempre problemas no parque, porque tirava a bola a toda a gente, não deixava ninguém jogar, mas parece que tudo compensou.

O seu pai [Iñaki Sainz] e o seu tio [Carlos García] destacaram-se enquanto jogadores em Espanha. Gostava de ter nascido dez anos antes e ter acompanhado um pouco desse percurso?
Sim. Digo sempre ao meu pai que o futebol antigamente era diferente e que gostava de ter podido jogar contra ele. Venho de uma família que gosta de futebol, mas os meus pais nunca me pressionaram para que eu fosse um futebolista. Foi algo que partiu de mim, mas eles sempre apoiaram e agradeço, porque, no final, é mérito deles também. Para chegar onde estou, tivemos que trabalhar muito.

Deu os primeiros toques num clube local, mas rapidamente chamou a atenção do Athletic de Bilbau. Conte-nos um pouco sobre esse crescimento futebolístico.
No final do meu segundo ano, o Athletic quis contar comigo. Era perto de casa e estive lá durante cinco ou seis anos. Agradeço-lhes bastante, porque aprendi muito e, sobretudo, fiz muitos bons amigos. Vou levar para sempre essa experiência no coração, porque foi lá que conheci o meu melhor amigo. Tenho muito orgulho nesse percurso.

As amizades são uma parte muito importante do futebol?
Acho que sim. Os amigos que fiz no futebol são como irmãos para mim, por isso considero essas amizades extremamente importantes. É verdade que aprendes muito em campo, mas o que mais fica guardado na memória são as amizades.

Mostrar talento desde novo levou-o a jogar nos escalões acima do seu. Adaptou-se rápido?
Sim. Desde os meus quatro anos que jogava contra pessoas mais velhas, com rapazes que tinham mais dois ou três anos do que eu. Ao longo de toda a minha formação, sempre joguei contra atletas mais velhos.

Era mais difícil jogar na rua ou no relvado?
Na rua é sempre mais divertido, porque estás com os teus amigos e não há regras, mas no relvado também nos divertíamos muito.

A qualidade que mostrou na formação valeu-lhe a chamada à seleção espanhola de sub-19. Como viveu esse momento?
As pessoas ajudaram-me muito, tínhamos um grupo excecional e é sempre um orgulho vestir a camisola da seleção do meu país. Fui com muito entusiasmo e muita vontade de dar o máximo e acabou por ser um momento especial, porque estava entre os melhores jogadores de Espanha, craques que agora são os melhores do mundo nas suas posições como o Álex Baena e o Pedri. Foi um orgulho.

Saiu de casa ainda jovem para ir viver para a residência do Alavés e mais tarde afastou-se ainda mais da família ao mudar-se para Saragoça. Isso preparou-o para as etapas na Turquia, em Inglaterra e agora em Portugal?
Agradeço muito aos responsáveis do Alavés, porque aprendi muito, conheci muita gente e fiz grandes amigos. Fez-me crescer bastante. Em Saragoça, acho que cresci muito futebolisticamente, foi aí que dei um grande salto na carreira.

A mudança para a Turquia foi o maior passo da sua carreira em termos de distância. Ainda assim, deu logo uma vitória contra o Galatasaray, em Istambul. Passou logo a ser tratado como um herói, não?
Sim. Fui para a Turquia com a noção de que seria um ano muito importante para a minha carreira. Queria jogar na Europa e cheguei muito motivado, apesar de a adaptação não ter sido fácil, porque é uma cultura completamente distinta. Tive companheiros de outros países que me ajudaram bastante, havia uma família uruguaia no plantel e também um preparador físico espanhol a quem agradeço muito pelo que fez por mim. Estou muito grato também aos adeptos, porque me apoiaram numa etapa diferente do meu percurso. Amadureci bastante e isso foi muito importante para estar aqui agora.

Nessa época, marcou a quatro dos primeiros cinco classificados da Liga. Os jogos grandes despertam-lhe um extra de motivação?
Os jogos grandes dão sempre uma motivação extra, porque te queres mostrar e jogar. Sempre quis estar nesses momentos e batalhar com equipas de classe mundial, por isso é algo que me traz muito entusiasmo.

Gosta de assumir as decisões nesses momentos?
Sim, é um desafio que coloco sempre a mim próprio e espero que continue assim.

Terminou essa temporada com 10 golos e três assistências pelo 16.º classificado. Não é para qualquer um.
A equipa também me ajudou muito, não foi um trabalho individual, mas claro que foi uma boa época, porque marquei golos, dei-me muito bem no balneário e o treinador confiou em mim. O papel dos meus colegas foi muito importante, porque, se me senti bem e confortável, é porque me transmitiram confiança. O futebol não é apenas sobre nós próprios, mas sobre o que nos rodeia no dia a dia. Isso é muito importante para mim.

Aceitou depois uma proposta do Norwich City para jogar no Championship. Com que ideia entrou e saiu do que dizem ser o campeonato mais difícil do mundo?
Foi uma etapa muito bonita e, ao mesmo tempo, muito triste, porque no primeiro dia em que cheguei lesionei-me e fiquei parado durante três meses e meio. Foi muito duro, nunca tinha tido uma lesão grave que me tivesse deixado parado. Só posso agradecer ao staff, à equipa técnica e ao departamento médico, porque recuperei muito bem. Fiz muitos amigos, os adeptos gostavam de mim e eu adorava passear lá. Saí muito contente, mas ao mesmo tempo triste por deixar tudo isso de lado.

Que lições tirou desse primeiro ano?
Aprendi muito em Norwich. Foi um ano muito difícil, não só por isso, mas pela forma como comecei e acabei. A minha história lá começou de forma inesperada e acabou com bastantes golos. Na temporada seguinte, propus-me a estar pronto para ajudar o clube a subir de divisão, não aconteceu, mas tenho a certeza de que o Norwich vai conseguir.

Jogou contra o Jan Bednarek na altura. Com que impressão ficou?
Na verdade quase não joguei contra ele, porque eu estava lesionado quando jogámos fora e ele teve que sair ao intervalo no jogo em nossa casa por estar lesionado. Ainda assim, lembro-me muito bem dele como o muito bom jogador que é. Temos visto isso a cada fim de semana, é um central de grande qualidade.

Destacou-se como melhor driblador da liga no segundo ano e ficou a apenas um golo de ser o melhor marcador. Foi a melhor temporada da sua carreira?
Sim, foi a melhor temporada da minha carreira. Aprendi muito, como disse. Não digo isto pelos golos e assistências que fiz, mas por tudo. Comecei muito bem, depois passei algum tempo sem marcar - mas também não estava obcecado com isso - e no final da época fiquei a apenas um golo de ganhar o prémio de melhor marcador. Era algo que queria, mas não era de maior importância.

Esse rendimento valeu-lhe um lugar no Onze do Ano da Associação de Jogadores Profissionais. O que significou?
Fiquei muito feliz, porque esse prémio distingue os melhores jogadores do Championship. É um orgulho para mim estar nesse onze ao lado de grandes jogadores.

Aos 24 anos, está agora no maior clube que já representou. Sentiu isso desde o primeiro segundo?
Sim, desde o primeiro dia que percebi que este clube é especial e que todos aqui são parte de uma família. Assim que cheguei recebi muito apoio dos adeptos, dos meus companheiros, do staff, do presidente e da equipa técnica. Estou muito contente aqui.

Como surgiu o convite do FC Porto e o que lhe despertou?
É o maior clube em Portugal, sempre vi jogarem aqui grandes jogadores e ganharem títulos muitos importantes, então nem pensei quando recebi a chamada. Disse logo ao meu agente que queria vir para cá e ganhar títulos.

Nas primeiras pesquisas habituais, o que mais o impressionou?
As Ligas dos Campeões, claro. Não é qualquer clube que ganha uma Champions. Muitos clubes com muito mais dinheiro dariam tudo para conquistarem esse troféu. Acho que também por isso o FC Porto é bastante reconhecido.

No primeiro dia mostrou-se “ansioso por começar a competir” no Estádio do Dragão. Como se sentiu frente ao Twente e ao Atlético de Madrid?
Foram momentos muito emotivos para mim. Nos primeiros dias, custou-me um pouco a adaptação, porque venho de um país diferente, mas desde o início que os meus colegas me ajudaram sempre e essa estreia no Estádio do Dragão foi incrível. É marcante conhecer os adeptos, porque são eles que depois nos apoiam todos os dias e pagam para nos ver e animar. Eles passam-nos o que sentem pelo FC Porto.

Disse também que esperava viver “um grande ano”. O que é preciso para concretizar essa expectativa?
Acho que a equipa está a trabalhar bastante bem e isso viu-se nestes primeiros jogos. É esta a linha a seguir, porque estamos a treinar melhor a cada dia. Só pensamos num jogo de cada vez e não no futuro.

Já teve momentos de brilho individual. Como os viveu?
Foram momentos felizes e de emoções fortes, porque, como disse, no início custou um bocadinho, sentia-me estranho nos jogos e a confiança não era a mesma, porque ainda não estava entrosado com os meus colegas e com as ideias do mister. Quando és novo na equipa, custa sempre um bocadinho, mas quando entras na dinâmica é muito emocionante, porque sentes-te bem e, quando a equipa ganha, ficas ainda melhor.

Aquela jogada do pontapé de bicicleta no clássico foi estudada ou saiu naturalmente?
Saiu naturalmente. Colocámos a bola na frente, o Luuk penteou-a de cabeça e eu ataquei-a com tudo.

Era importante deixar a marca desde o início?
Sim, é bom começar bem em todos os jogos, não só nos clássicos. É o que queremos fazer nos encontros que se avizinham.

Melhor só se aquele golo ao Nacional tivesse sido validado, não?
Claro que era bom ter marcado, mas nunca se sabe o que aconteceria. Foi fora de jogo e não tenho que me lamentar, porque o jogo é muito longo e o importante foi a equipa ter ganho, até porque era um jogo bastante difícil. São coisas que ficam na cabeça, mas não fico a matutar, porque senão não avanço. O mais importante foi a vitória da equipa e o foco foi logo para o jogo seguinte.

Já fala como um portista de longa data. Como é possível se apenas está cá há uns meses?
Quando cheguei, toda a gente me ajudou muito, a equipa toda. Somos uma família que está lá quando alguém precisa, esteja bem ou mal, e acho que isso é o mais importante, porque no dia a dia os colegas são quem te rodeia. Digo muito isso aos meus pais, digo-lhes que me sinto em casa, porque, na verdade, tenho muitos espanhóis aqui também, mas não se trata disso. Estou muito feliz, não só porque estamos a ganhar e a treinar bem diariamente, mas pela família que somos. Ajudaram-me desde o primeiro dia, tenho tudo aqui, esses pequenos detalhes fazem a diferença. Estou realmente muito feliz.

Haver espanhóis no plantel ajudou, com certeza.
Sim, claro, dou-me muito bem com eles, mas não há um jogador com quem não fale. É assim com todos. Vejo um colega que não percebe tanto de inglês a falar abertamente com outro que não entende tão bem espanhol e fazem um esforço para que nos possamos dar todos e assim sermos uma família.

A união é essencial para corresponder à exigência do míster?
Estamos a trabalhar muito bem, o míster sabe o que quer de nós e como nos orientar, estamos bastante cientes disso e, além disso, somos uma família, não há como explicá-lo de outra forma.

Como é o míster nos treinos diariamente?
É muito exigente como todos podem ver, gosta de trabalhar, tem a sua equipa técnica muito bem trabalhada, transmite-nos as ideias de forma muito clara e toda a gente está muito feliz com ele.

O que mais aprendeu com ele até agora?
Aprendi muitas coisas. Já me tinham dito que era muito bom e que gostava de trabalhar muito, mas desde o primeiro dia, quando falei com ele, senti essa confiança. Aprendo todos os dias e ainda quero aprender muito mais.

Mais no aspeto tático ou pessoal?
Ambos. Em termos pessoais, é possível ver que a equipa tem sempre uma boa atitude e, no aspeto tático, também se nota que temos um plantel bem coordenado.

O treinador já destacou o seu compromisso defensivo. É algo natural ou muito trabalhado?
O mister gosta que trabalhemos muito defensivamente, não só eu, mas toda a equipa. Quando era pequeno, e mesmo quando me estreei como sénior, tinha dificuldades nesse aspeto, custava-me bastante, mas pouco a pouco fui trabalhando e agora não me custa.

É algo que os adeptos também valorizam muito. Apercebe-se disso em campo?
Sim, acabo por notar quando estou em campo. Faço-o também porque sei que é algo que vai ser uma ajuda para a minha carreira, então vou continuar assim.

A intensidade da equipa tem sido tremenda. É um ponto inegociável no Olival?
Sim. É importante que se note nos jogos, mas onde tudo começa é nos treinos e é aí que nos estamos a sair bastante bem.

Houve uma grande remodelação do plantel, chegaram muitas caras novas, mas realmente é notória a união entre todos. Que ambiente se vive no Olival?
Todos os que têm visto os jogos notam que a equipa está unida e queremos continuar assim diariamente porque dessa forma vamos alcançar grandes feitos.

Foi essa amizade que vimos, por exemplo, no festejo do golo do Samu contra o Nacional. Como é a vossa ligação?
Dou-me muito bem com o Samu, estou todos os dias com ele e considero-o, além de um grande colega de equipa, um grande amigo.

Está cá há pouco tempo, mas já passou por um momento muito doloroso, a morte de Jorge Costa. Como processou esse momento?
É muito difícil falar sobre isso e vês como fico arrepiado. Não o conhecia muito bem, mas ele sempre foi espetacular comigo desde o primeiro dia. Tratou muito bem a minha família, todos os que vieram para a minha apresentação e o dia da morte do Jorge foi muito triste. Tudo o que estamos a fazer é por ele, porque ele merece. Era um portista muito acarinhado aqui. Desejo à família muita coragem e espero que este ano ganhemos um título por ele.

No dia a dia, ele transmitia-lhe muitas coisas sobre o clube?
Sim. Sempre que falava comigo, dizia-me que este é um grande clube e dava para ver nos olhos dele que amava o clube. Foi um momento muito difícil, não só por mim, porque eu até o conhecia há pouco tempo, mas por todos os que trabalhavam com ele há muito tempo.

Como transformaram essa dor em garra e vontade de vencer?
Unimo-nos ainda mais por ele e acho que esta garra que estamos a demonstrar só existe porque o temos connosco no balneário. É mais um a entrar connosco em campo.

Em casa ou fora, não vos tem faltado apoio. O quão importante é isso neste novo capítulo?
Na minha estreia, vi logo o estádio cheio e está sempre assim todos os fins de semana, seja em casa ou fora. Acho que isso é muito importante para a equipa, motiva-nos muito para retribuirmos esse carinho com vitórias e títulos.

Jogar fora é confortável neste momento por essa almofada criada pelos adeptos?
Sim, é confortável, mas não há nada como jogar em casa.

O que podem eles esperar do Borja e da equipa para o que se avizinha?
Mais daquilo que têm visto. A dinâmica em que estamos é muito boa e acho que temos de nos manter assim, é o que queremos e vamos continuar a fazer.

Quais são as expectativas para cada uma das provas que vão disputar?
O mais importante é o dia a dia e pensar jogo a jogo. O foco está sempre no próximo jogo, o que vier depois disso logo se verá. Queremos manter o foco diário, porque é aí que trabalhamos.

Arrancou a época com bons números e está num clube com exposição internacional. Pensa em jogar o Mundial do próximo verão?
Claro que gostaria de jogar o Mundial, é um sonho, mas para já estou focado em trabalhar diariamente, que é o mais importante. Se chegar esse momento, muito bem, mas se não chegar vou continuar a trabalhar para que um dia aconteça.

O foco está a 100% no FC Porto?
Sim, claro que sim. Quando fazes as coisas bem no teu clube, as pessoas veem. O mais importante é o dia a dia e vou continuar assim.

Esta entrevista também pode ser lida na edição de setembro de 2025 da revista Dragões, já disponível em fcpor.to/DRAGÕES466.

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