Uma equipa que leva o relógio ao limite e o adversário ao desespero
Três competições em jogo, clássicos que fervem, longas viagens, noites de segunda-feira e jogos decididos aos 88 minutos. Entre expulsões que não abalam, penáltis capazes de virar o resultado do avesso, bolas no ferro que mudam narrativas e um banco que entra para resolver, o FC Porto de Francesco Farioli está a construir mais do que uma sequência de resultados: está a instalar uma cultura. Organização em inferioridade numérica, fome coletiva, rotação que produz, liderança na liga, identidade europeia e a mesma resposta em todos os contextos - controlar, competir, insistir. O marcador nem sempre contou a história toda, mas a ideia nunca saiu do campo.

FC Arouca 0-4 FC Porto
Segunda-feira por causa da feira. Em Arouca, no primeiro de três jogos em apenas sete dias, o FC Porto impôs-se num teste de maturidade e resiliência. A expulsão de Martim Fernandes parecia um plot-twist, mas acabou por servir de combustível, com três dos quatro golos a serem marcados em inferioridade numérica, num sinal claro de organização, pulso competitivo e uma crença que não mete folga. “Provámos o desejo e o fogo de que somos feitos”, disparou Francesco Farioli, lembrando que por trás do ar tranquilo mora uma equipa pronta para acelerar no segundo seguinte. Na bancada, 2.500 portistas foram recompensados com uma vitória larga e com a confirmação de um padrão: quando o jogo pede carácter, o FC Porto confirma com golos. No relvado, Victor Froholdt resumiu a matriz competitiva: “Temos sete vitórias seguidas no campeonato e não vamos parar por aqui”. Francisco Moura, o 11.º marcador da temporada, abriu a cortina dos bastidores: “A equipa está conectada e queremos muito ajudar-nos uns aos outros”. Com menos descanso, mas com a ambição de sempre.

FC Porto 2-1 Estrela Vermelha
Com uma profunda rotação no onze e tempo de recuperação mais curto, o Dragão voltou a acender-se e a equipa respondeu com método. Paciência quando foi preciso, insistência quando o jogo pediu risco e golo no penúltimo minuto para fazer nove em nove em jogos oficiais. Os números são bons, mas o que realmente interessa é o que está por trás deles - o processo, o método, a ideia de jogo, a cultura competitiva. “No Olival trabalha-se todos os dias para ganhar e com a noção de que a vida não é feita de recordes, mas de trabalho”, vincou Farioli, elogiando “a resposta muito boa” do grupo e lembrando que a Liga Europa é uma competição “muito exigente”. A passe de Pepê, Rodrigo Mora assinou a explosão final: “O FC Porto luta sempre até ao fim; num calendário assim, todos contam”. Deniz Gül acrescentou o óbvio que se esquece depressa: “Quando se trabalha muito, coisas boas acontecem”. E Pepê validou a cultura: “Aqui não importa quem marca, importa que a equipa ganhe”.

FC Porto 0-0 Benfica
Clássico de contrastes e sem golos. “Uma equipa tentou não perder e a outra fez de tudo para ganhar”, resumiu Farioli. Nos descontos, o ferro fez de guarda-redes e negou a vitória a quem somou as melhores oportunidades, controlando o espaço e o ritmo. Faltou o golo, sobraram ideias e ficou um lance capital por sancionar. Quando Deniz Gül recebe de costas na área, pronto para rodar e finalizar, António Silva segura-o de forma persistente, puxando-lhe a camisola, provocando a queda do avançado sueco e impedindo a ação técnica. O critério é simples: agarrão que impede ou condiciona a jogada é falta; dentro da área, é penálti. Ficou um penálti por marcar a favor do FC Porto, numa decisão com impacto direto no desfecho de um clássico decidido por centímetros. No resto, a fotografia mantém-se. Jan Bednarek foi literal: “Eles vieram para sobreviver”; Francisco Moura afinou o diagnóstico: “É uma sensação agridoce, controlámos e tivemos as melhores chances”. O Dragão empurrou até ao fim, a bola beijou a trave e não ligou no dia seguinte. Ficou o ponto, ficou a liderança. Mourinho trouxe o manual de sobrevivência e Farioli apresentou um plano de vitória, mas o ferro não quis colaborar. Acontece.

CD Celoricense 0-4 FC Porto
Samu entrou e mudou o relógio do jogo. Em dez minutos, transformou um 1-0 controlado num 4-0 resolvido: primeiro a rodar e a bater, depois a atacar o segundo poste como mandam os manuais, por fim a chegar à zona de finalização no tempo certo. Há instinto, há frieza e há leitura, mas também há equipa: canto bem batido, desvio de Bednarek, passe rasteiro de William. Golo a golo, a ideia fica clara: o FC Porto tem banco, tem soluções e tem fome. A bola parada voltou a ser argumento. Bednarek abriu caminho com um cabeceamento de desenho simples e execução implacável, repetindo em Barcelos o que já se tinha visto nesta época: rotinas trabalhadas, blocos que atacam a zona e tempo de salto afinado. Entre o golo do polaco e a trave de Varela, percebe-se que o detalhe tem sido levado a sério. Também por isso, a nona “folha limpa” em onze jogos não surge por acaso, mas por método. Francesco Farioli explicou o resto: humildade desde o aquecimento e mérito reconhecido ao adversário. Cláudio Ramos, com a braçadeira, acrescentou sobriedade e liderança a uma noite sem sobressaltos e o sinal que fica de Barcelos é útil para todas as competições: a equipa cresce por dentro, responde às ausências com soluções e encontra golos no trabalho coletivo. Quando o todo funciona, os protagonistas aparecem. E marcam.

Nottingham Forest 2-0 FC Porto
O City Ground acordou com dois penáltis e um golo anulado, mas o jogo contou outra história para quem vestiu de azul e branco: controlo, paciência e uma equipa que não perdeu a ideia nem quando se viu a correr atrás. Entre o toque no braço que abriu a conta e a falta de Martim Fernandes que selou o 2-0, o FC Porto empurrou o Forest para trás, remou na posse, ameaçou por Varela de longe e por Rosario na pequena área, e ainda celebrou por instantes antes de o fora-de-jogo de Samu apagar o empate. O detalhe e a área faltaram, mas a identidade não. Francesco Farioli viu o jogo pelo filtro do rendimento e da reação, não do ruído. “Não era o resultado que queríamos, mas fizemos um jogo muito importante na forma como gerimos; concedemos dois penáltis, e nada mais, a uma equipa com muita qualidade”, sublinhou, deixando a nota de que faltou “pontaria e mais presença na área adversária”. É o tipo de derrota que ensina sem desviar do caminho: linhas altas, coragem para sair, banco a mexer (Gabri, William, Martim) e a sensação de que, num cenário igual, o desfecho poderia ter sido bem diferente. Entre linhas, fica o essencial: a série perfeita caiu, a confiança não. “Vamos para casa de cabeça levantada e em frente para o próximo jogo”, resumiu o treinador. A fase de liga pede constância mais do que dramatização; há pontos e margem para reequilibrar já na próxima jornada europeia. Em Nottingham, os Dragões perderam no marcador, mas mantiveram a postura. E quando a ideia resiste à primeira contrariedade, o resto costuma voltar depressa.

Moreirense FC 1-2 FC Porto
O FC Porto não lidera a liga por acaso. Em Moreira de Cónegos, onde durante anos se escreveram noites armadilhadas para quem se apresenta de Dragão ao peito, a equipa não só sobreviveu ao golo fortuito que caiu do nada como manteve a bola, o plano e a cabeça. Sofreu num desvio em Bednarek, empatou com sangue-frio de Samu e ganhou aos 88', quando já toda a gente em redor começava a falar em dois pontos perdidos. O detalhe é importante: quem mandou no jogo do primeiro ao último minuto foi o líder, mesmo quando o marcador dizia o contrário. Depois há este fenómeno delicioso que está a acontecer à frente de toda a gente e quase sem ruído: os miúdos e os novos não pedem licença, entram e decidem. Samu assume penáltis com a naturalidade de quem sempre os bateu, Gabri Veiga liga o meio-campo e arranca faltas à beira da área como se o relvado fosse dele, Rodrigo Mora sai do banco sem medo do contexto, acerta no ferro e marca cantos como quem assina coisas sérias. O FC Porto está a ganhar pontos e, ao mesmo tempo, a ganhar nomes. Isto não é comum em outubro. E depois há Deniz Gül. O avançado entrou aos 73 minutos, apareceu onde tinha de aparecer aos 88' e cabeceou para o 2-1 com aquela calma que irrita defesas e tranquiliza treinadores. Não foi um ressalto, não foi um acaso, não foi um balão: foi uma jogada de laboratório - canto de Mora, desvio de Kiwior ao primeiro poste, execução cirúrgica ao segundo. Gül saiu do banco para dizer que o jogo não ia acabar empatado e explicou por que razão este FC Porto continua isolado no topo: mesmo nos dias em que parece “só” mais uma vitória suada fora de casa, há sempre alguém que escreve o final certo. Francesco Farioli saiu de Moreira de Cónegos a dizer duas coisas que soam a programa e manifesto: primeiro, que “as equipas voltaram a temer o FC Porto”, porque já baixam o bloco e defendem dentro da própria área, o que “é uma grande mensagem”; segundo, que ninguém se iluda com calendário e classificação, porque “o processo não se faz em apenas 16 semanas de trabalho”. Traduzindo: há identidade competitiva, há resultados, mas o treinador fala como quem ainda está a construir.
Este artigo também pode ser lido na mais recente edição da revista Dragões, já disponível em fcpor.to/DRAGÕES.
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