José Alberto Costa lembra o duelo de 1982 com o Utrecht antes da 4.ª jornada da Liga Europa (17h45)
José Alberto Costa foi um dos protagonistas na primeira eliminatória europeia da “nova vida do Clube”, em 1982, quando Jorge Nuno Pinto da Costa assumiu a presidência do FC Porto. Um duplo embate com o Utrecht - embora nenhum dos jogos se tenha disputado nos respetivos estádios devido a interdições aplicadas pela UEFA - que passados 43 anos ainda figura na história como o único entre os dois emblemas que esta quinta-feira voltam a medir forças no Stadion Galgenwaard, nos Países Baixos (17h45, Sport TV 5).
Puxada a cassete atrás até um período em que os Dragões já tinham “sido campeões nacionais, mas em termos internacionais não eram nada do que são hoje”, o extremo esquerdino recorda uma “eliminatória relativamente fácil” contra um adversário que “tinha as mesmas valias de que dispõe nos dias atuais” e traça o perfil do jogador neerlandês, “um indivíduo seco, longilíneo, rápido, que corre e se entrega ao jogo”. Tudo isto antes de trazer à conversa Pedroto, “um indivíduo que estava muito à frente do seu tempo”, e o “especialíssimo” Gomes, que era “um finalizador nato”.
Em declarações originalmente publicadas no Travel Guide disponibilizado aos parceiros que viajaram no avião que levou a comitiva portista até aos Países Baixos, José Alberto Costa explica ainda que “o FC Porto é favorito, mas é um favoritismo que não pode resultar em sobranceria e tem que provocar, ao contrário, um sentido de responsabilidade”, frisa que “a atitude tem que ser compatível com o histórico do Clube e com as caraterísticas adjacentes à camisola” e conclui: “Temos boas condições, não há muitas equipas com a dimensão do FC Porto, o que traz maior responsabilidade, embora esse assumir da responsabilidade não possa tolher os jogadores em termos de rendimento. Pelo contrário, funciona para impulsionar o rendimento da equipa e dos jogadores. Acredito muito nesta equipa, no treinador e na Direção”.
Em 1982, participou na primeira eliminatória com uma equipa neerlandesa, o Utrecht. Face à interdição de ambos os estádios, jogaram em Groningen e no Estádio da Luz. O que recorda desses jogos?
Antes de responder diretamente, gostava de enquadrar esse jogo. Estamos a falar na época 1982/83, Jorge Nuno Pinto da Costa tinha assumido a presidência no início de 1982, ou seja, apanhámos o final da época de 1981/82 com Herman Stessl, que foi o nosso treinador durante dois anos, no período em que Jorge Nuno Pinto da Costa e José Maria Pedroto saíram do Clube face a divergências que tiveram com a direção de Américo de Sá. Esse período foi aproveitado por Jorge Nuno Pinto da Costa para preparar o seu regresso, não como diretor do futebol, que era o que ele era na altura em que eu vim para o Clube - foi buscar-me a Coimbra, a pedido de José Maria Pedroto. Eles aproveitaram esses dois anos para preparar a nova vida do Clube com Pinto da Costa como presidente e Pedroto a treinador. Foi o que aconteceu. Tudo isto sucedeu porque, dois anos antes, eles tinham feito reivindicações à direção no sentido de transformar o FC Porto num Clube mais ambicioso, com melhor organização, mais profissional e com dimensão internacional. No momento desse regresso, já tínhamos sido campeões nacionais, mas em termos internacionais o FC Porto não era nada do que é hoje.
Nesse contexto, viajaram então para os Países Baixos.
Começámos então essa campanha europeia na Taça UEFA e calhou-nos o Utrecht, que tinha as mesmas valias de que dispõe nos dias atuais. Éramos superiores, embora eu reconheça que hoje o FC Porto é muito mais superior. O histórico e o estatuto que o FC Porto tem hoje não era o mesmo que tínhamos na altura. Começámos a dar os primeiros passos nessa época. Foi uma eliminatória relativamente fácil, mas este tipo de eliminatórias só é fácil depois, quando se consegue os resultados, não antes. Na altura, as características do futebol neerlandês eram semelhantes às de hoje. O jogador neerlandês é um indivíduo seco, longilíneo, rápido, que corre e se entrega ao jogo, mas depois, em termos de organização do jogo e da plasticidade tática das equipas, nós já nessa altura éramos superiores e fomos melhores. Mas eles eram agressivos e difíceis de ultrapassar. Acabámos por ganhar lá por 1-0 e depois, no segundo jogo, vencemos por 2-0 com essa particularidade de os estádios estarem interditos e, por isso, os jogos foram disputados em terrenos neutros.
Como era jogar no estrangeiro na altura?
Era mais complicado e requeria um esforço maior da nossa parte, não só em termos de adaptação, como de superação em relação, por exemplo, às viagens, porque se fosse uma viagem relativamente perto não se fazia sentir muito, mas às vezes apanhávamos algumas viagens que eram mais complicadas ou que obrigavam a fazermos escala. Ficava muito mais cansado. Os próprios campos hoje têm muito mais qualidade, por imposição das regras da UEFA e da FIFA, do que tinham na nossa época.
Pedroto passava-vos alguma mensagem especial antes dos jogos fora, especialmente estes no estrangeiro?
Principalmente nos jogos do Campeonato Nacional, porque eu sou do tempo em que o Presidente da Federação tinha que ser do Benfica, do Sporting ou do Belenenses, por imposição das regras. Nessa altura, a relação de forças estava toda lá em baixo. Depois do 25 de Abril, as coisas alteraram-se para melhor. Antes dessa mudança, havia alguns jogos fora em que havia um ambiente terrível contra nós. O Pedroto incutiu-nos e nós próprios utilizávamos essa agressividade como um fator positivo de motivação e de concentração. Isso foi-se enraizando nas várias equipas do FC Porto ao longo dos tempos e no próprio Clube. Funcionou como um catalisador de vontades e como um dinamizador de movimentos. E feitos, grandes feitos. Nos jogos internacionais, não havia tanta animosidade. Havia, se calhasse, um clube com uma dimensão grande e com muito apoio como é natural. Temos de jogar fora, mas não havia essa animosidade que se sentia internamente. E depois, com o tempo e com as conquistas, que trouxeram uma maior aglutinação dos adeptos e dos sócios em volta da equipa, esse peso foi-se diluindo. Agora, o FC Porto joga em casa em muitos campos.
O que pensou quando soube que ia jogar em Lisboa enquanto visitado?
Eu gostava de jogar na Luz. Joguei lá em várias ocasiões, não só no FC Porto, mas também na Académica. Comecei novo a jogar, por isso habituei-me. Estive lá com o FC Porto e com a rivalidade que se conhece, mas também em alguns jogos que disputei pela Seleção Nacional. Não foi por acaso que os responsáveis escolheram a Luz. Porquê? Porque as relações entre as direções eram ótimas - esse período coincidiu com a presidência de Fernando Martins, que sempre se deu bem com Jorge Nuno Pinto da Costa - e porque o campo era bom, largo, e o Utrecht jogava num campo mais pequeno, numa dimensão diferente, mais apertado e com pior relvado. Qualquer jogador que goste de jogar ou qualquer equipa que goste de jogar um futebol superior, quanto melhor e mais largo for o campo e melhor for a relva, mais propícia é a prática. Foi essa a principal razão que nos levou à Luz. Sempre foi um campo em que as coisas me saíram bem. Não só na Luz, mas na generalidade dos jogos contra o Benfica que disputávamos. Eu lembro-me que, no meu primeiro ano no FC Porto, o primeiro jogo em casa que fizemos foi contra o Benfica e eu marquei o golo da vitória.
Foi logo colocado a titular. Era uma particularidade de Pedroto?
Isso era algo caraterístico de Pedroto: quando ele escolhia, ele sabia escolher. Eu tinha vindo de Coimbra, o FC Porto tinha sido campeão ao fim de 19 anos, mas eu cheguei e ele apostou desde o início em mim como titular. Foi uma referência com que eu fiquei sempre dele. Mas fazendo a ponte com a pergunta anterior, dava-me bem nos jogos contra o Benfica porque eu era um tipo de jogador que, quanto maior fosse a dificuldade, quanto mais importante fosse o jogo, mais eu me concentrava e mais tentava corresponder, e normalmente correspondia. Além de ter marcado na Luz para as competições europeias, o que hoje seria impensável, foi um golo com o pé direito, o que no meu caso valia a dobrar.
Nesse jogo no Estádio da Luz, além do Costa, marcou também o Fernando Gomes. Ele era especial?
Não, era especialíssimo. Eu era extremo e, quando driblava e cruzava para assistir, a minha preocupação era ver onde estava o Gomes. Eu sabia que, de cabeça, com o pé direito ou com o pé esquerdo, aquilo era meio golo se a bola fosse bem direcionada porque era um finalizador nato. Para além disso, não sendo muito rápido, era um jogador que controlava bem a bola, que servia bem de tabuleiro, dava profundidade ao ataque, e que nós gostávamos porque a bola tinha sequência. Isso é que fez com que fosse o que foi, bota de ouro em duas ocasiões.
Como era trabalhar com o Mestre?
Ele era um indivíduo que estava muito à frente do seu tempo. Tinha preocupações que na altura não eram muito frequentes em termos da organização do Clube, das condições que criava para os jogadores, dos estágios, da alimentação e da recuperação. Ele mandou alterar as instalações e colocar sauna, massagens e hidromassagem, porque tudo isso o preocupava. No princípio da minha carreira, a equipa técnica era um treinador e um adjunto, mas ele já contratou um preparador físico, depois contratou o professor José Neto, que iniciou a sua atividade em termos de estatísticas, um aspeto em que ninguém falava. Ele tinha o cuidado de nos levar para uma dimensão diferente em termos de informação e tirar o máximo possível de cada jogador. Um grande mérito dele era o facto de cada um de nós saber que tínhamos de dar o máximo porque a exigência era máxima, mas, ao mesmo tempo, sabia dar-nos uma força interior que, às vezes, até nós próprios desconhecíamos. Em termos de leitura de jogo, em termos táticos, em termos de mudança na interpretação do jogo, ele já fazia coisas que hoje são banais. Na altura só havia duas substituições. Eu ainda sou de um tempo em que não havia substituições, depois começou a haver e nós tínhamos alguns jogadores que o simples facto de mudarem de posição sem fazer substituições alterava de uma forma significativa a interpretação que a equipa dava ao jogo, em termos ofensivos ou em termos defensivos. E aí ele era mestre também, a prever, a adivinhar e a resolver.
Quem é o José Alberto Costa deste plantel?
Eu diria que é o William Gomes. Esquerdino também, embora eu quase só jogasse do lado esquerdo.
Que jogadores mais gosta de ver?
Gosto muito do Martim Fernandes e do Francisco Moura. São muito bons nos desequilíbrios de trás para a frente e um aspeto que me agrada neste sistema do mister Farioli é que eles têm instruções para jogarem por dentro, o que provoca problemas diferentes para o adversário resolver. Gosto também do Victor Froholdt pela dimensão física, pelos terrenos que cobre. Cobre tudo. Tenho muita esperança que o Rodrigo Mora se afirme. Se for bem apoiado, como parece que está a ser, e bem aconselhado, pode vir a transformar-se num jogador de alta qualidade. De todos, o que me parece ter um rendimento mais indiscutível é o Diogo Costa.
Que conselhos gostaria de deixar ao plantel?
Neste tipo de jogos, eu considero o FC Porto favorito, mas é um favoritismo que não pode resultar em sobranceria e tem que provocar, ao contrário, um sentido de responsabilidade. Se eu sou jogador do FC Porto, eu sei o histórico do FC Porto e a responsabilidade que é vestir a camisola do FC Porto. Como tal, a minha atitude tem que ser compatível com esse histórico e com essas características que estão adjacentes à camisola e não pensar que o clube é Bicampeão Europeu e somos muito superiores. Aconselho-os a jogarem, todos os jogos são iguais à partida. Eles depois tornam-se mais fáceis ou mais difíceis conforme, não só as circunstâncias e as vicissitudes que o próprio jogo traz, mas muito pela forma de encarar, desde o início, esses encontros. Portanto, este é o conselho que eu dou. E isto depois tem que ser transportado para os próprios treinos, ou seja, quanto melhor fizerem isto permanentemente, mais fácil vai ser.
Até onde acha que pode ir a equipa nesta edição da prova?
Só podemos pensar jogo a jogo. Não pode ser de outra maneira. Se não for assim, podemos tropeçar em qualquer altura. Temos boas condições, não há muitas equipas com a dimensão do FC Porto, o que traz maior responsabilidade, embora esse assumir da responsabilidade não possa tolher os jogadores em termos de rendimento. Pelo contrário, funciona para impulsionar o rendimento da equipa e dos jogadores. Acredito muito nesta equipa, no treinador e na Direção, mas acho que vai ser importante, com o decorrer da época, preparar todos os jogadores para render e serem dadas a todos condições para render. Para já o cansaço não se faz sentir, mas à medida que a parte final se aproximar, tudo se vai tornar decisivo. É um dos aspetos que irá ser muito importante.
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